I Encontro de Urbanismo Social: Cidades brasileiras em perspectiva

Aconteceu em Recife, de 09 a 12 de maio, o I Encontro Brasileiro de Urbanismo Social – Cidades brasileiras em perspectiva, uma realização da Rede Brasileira de Urbanismo Social e da ARIES – Agência Recife para Inovação e Estratégia.
A Diagonal foi uma das patrocinadoras da iniciativa, que teve como objetivo disseminar o conceito do Urbanismo Social, reunindo diversos agentes do espaço público, da iniciativa privada e da sociedade civil para fortalecer o debate e as agendas em torno da construção de uma sociedade socialmente justa. O encontro surgiu da necessidade de, a partir da atuação comprometida com as agendas urbanas, atingir a redução das desigualdades a partir dos conceitos do urbanismo social, considerada uma ferramenta de transformação territorial.

Credenciamento dos participantes do I Encontro Brasileiro de Urbanismo Social
Credenciamento dos participantes do I Encontro Brasileiro de Urbanismo Social


DIA 1: ABERTURA

A abertura oficial contou com a presença de Jorge Melguizo (ex-secretário de Desenvolvimento Social e de Cultura Cidadã de Medellín e consultor internacional na área de Desenvolvimento Social e Humano), Francisco Cunha (membro do conselho de administração da ARIES), Sérgio Farjado (ex-prefeito de Medellín), Murilo Cavalcanti (Secretário de Segurança Cidadã do Recife) Aline Cardoso (Secretária de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo), Fernando Chucre (Secretário de Governo de Planejamento e Entregas da Prefeitura de São Paulo), Kátia Mello (copresidente da Diagonal), Tomás Alvim (coordenador do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper), entre outros.
Em seu discurso de abertura, Kátia Mello saudou importantes nomes das políticas públicas de Recife, como Miguel Arraes, que inspirou sua sociedade com Álvaro Jucá e a fundação da Diagonal há 33 anos.

“Urbanismo social não se chamava assim, mas o fazemos desde aquela época. Buscamos oportunidades junto a líderes inspiradores por esse Brasil, para mostrar que era possível transformar a vida das pessoas que moravam em favelas. Hoje, entregar a vocês, que acreditam na potência transformadora das periferias, o nosso Guia de Urbanismo Social é um grande marco para que esse conhecimento seja disseminado mundo a fora”.
Kátia Mello

Kátia Mello em seu discurso de abertura para o I Encontro de Urbanismo Social
Kátia Mello em seu discurso de abertura para o I Encontro de Urbanismo Social


Tomás Alvim destacou a importância de uma atuação integrada, unindo o setor público, privado e a sociedade civil. “Quando fundamos o laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, tínhamos algumas premissas: ter representantes do governo, da sociedade civil e da iniciativa privada. Não há transformação possível se esses 3 atores não estiverem alinhados, com visão de continuidade a longo prazo, e principalmente, com desejo de gerar transformação na vida das pessoas, para que todos possam ter mais qualidade de vida e mais oportunidades”.


Palestra de abertura

Jorge Melguizo, um defensor de cidades PARA as pessoas e um crítico contumaz de cidades segregadas, em sua palestra de abertura contou a história da Comuna 13 de Medellín, uma favela onde viveu até seus 24 anos e que recebia operações militares devido a suas muitas pobrezas e violências.

“Quando Sérgio Fajardo se tornou prefeito, perguntávamos o que ele iria fazer com a Coluna 13 de Medellín, o bairro das violências, o bairro em que os governos nacional e municipal haviam decidido intervir militarmente, em operações que deixaram cerca de 150 pessoas desaparecidas, além de mortos e feridos. A resposta foi: vamos mudar a formar de intervir nesses territórios”, afirma Melguizo.

O local era um dos bairros mais violentos de Medellín, que por sua vez era uma das cidades mais violentas do mundo. Porém, a prefeitura começou a trabalhar de forma diferente, defendendo que o bairro não era violento, e sim, violentado. Era um bairro vítima das violências. E para bairros vítimas, era necessário abraçá-los e não os bombardear. Esse bairro necessitava de acolhimento não só dos governos federal, estadual e municipal, mas também de toda a iniciativa privada e da sociedade, de modo a superar a invisibilização da população que ali vivia.

“Quando falamos em urbanismo social, “urbanismo” parece ser o termo mais importante e “social” o adjetivo para qualificá-lo. Porém, o mais importante do urbanismo social é o social. As obras físicas são secundárias. Trata-se de um projeto de construção da sociedade que queremos, e não apenas da construção de cidades. A indiferença é o que nos mata como sociedade. Construir um antídoto contra a indiferença é fundamental em um projeto de construção de uma sociedade”, afirma Melguizo.

Jorge Melguizo, na palestra de abertura do I Encontro Brasileiro de Urbanismo Social.

Jorge Melguizo, na palestra de abertura do I Encontro Brasileiro de Urbanismo Social.

O ex-secretário de Medellín, enumera, então, uma série de aprendizados que obteve com os projetos da cidade colombiana que se tornaram modelo internacional:

  • É necessário vontade política. Se existe vontade política, é importante tem que ter bons orçamentos. É preciso mudar a maneira como o setor público é gerido.
  • É necessário desenhar projetos de médio e longo prazo, mas também é preciso buscar resultados e vitórias rápidas, em curto prazo.
  • É necessário focalizar territorialmente, mas também é necessário avançar simultaneamente em vários territórios, com intervenções integradas e articuladas.
  • É necessário conhecer, reconhecer, valorizar e potencializar o que já existe na comunidade.
  • A qualidade dos equipamentos públicos deve ser uma condição suprema em todos os projetos físicos e sociais
  • É necessário atuar, nesses projetos, como se fôssemos desarmadores de uma bomba: muito conhecimento do explosivo, muita paciência, com muita ternura e delicadeza.


Membros da Rede Brasileira de Urbanismo Social ao lado de Kátia Mello, Tomás Alvim e Jorge Melguizo.
Membros da Rede Brasileira de Urbanismo Social ao lado de Kátia Mello, Tomás Alvim e Jorge Melguizo.


Assista a abertura na íntegra:



DIA 2

Palestra master 1: “A transformação de Medellín – Lições aprendidas”


Na primeira palestra master do segundo dia do encontro, Sérgio Fajardo contou como o poder político concebeu as intervenções realizadas em Medellín. Sérgio era professor e acreditava no poder da educação para gerar transformação social. Em dezembro de 1999, junto de outros grupos sociais de diferentes partes da cidade (ONGs, acadêmicos, profissionais da cultura, empreendedores etc.) que estavam frustrados e indignados com a falta de ação política diante da situação do município, foi realizado um movimento cívico de participação política: o grupo estava decidido a concorrer às eleições e ganhá-las para mudar a história de Medellín.

“As pessoas da periferia são afastadas das oportunidades pelo muro da desigualdade. Precisamos criar portas nesse muro, para que as pessoas acessem as oportunidades. Quando aprendemos a respeitar, reconhecer, ouvir, com solidariedade e empatia, abrem-se portas, gera-se dignidade e consegue-se tirar o melhor de cada comunidade e de cada indivíduo”, pontua Fajardo.

Tomás Alvim, Murilo Cavalcanti, Kátia Mello e Sérgio Fajardo, no segundo dia do Encontro de Urbanismo Social.
Tomás Alvim, Murilo Cavalcanti, Kátia Mello e Sérgio Fajardo, no segundo dia do Encontro de Urbanismo Social.

Para saber mais sobre as propostas e sobre como as intervenções foram realizadas em Medellín, assista na íntegra aqui.


Mesa “Habitação e direito à moradia digna”

Um dos destaques do segundo dia de encontro foi a mesa de “Habitação e direito à moradia digna”, da qual participaram Catarina Jucá (diretora de Gestão de Impactos na Diagonal), Jô Cavalcanti (coordenadora nacional do MTST e a primeira sem teto eleita no Brasil pela Assembleia Legislativa de Pernambuco) e Maria Eduarda Médici Campos (coordenadora de inovação, riscos e políticas habitacionais do Pró-morar Recife).

Da esquerda para a direita, Maria Eduarda Médicis, Jô Cavalcanti e Catarina Jucá.

Da esquerda para a direita, Maria Eduarda Médicis, Jô Cavalcanti e Catarina Jucá.

Catarina abriu a discussão com dados alarmantes: 53% da população de Recife vive em assentamentos precários e áreas informais. Para reforçar ações necessárias nesse território, Catarina apresentou o case do Programa de Saneamento Integrado na Bacia do Rio Beberibe.
Em 2014, na Bacia do Beberibe, havia muitas famílias que moravam em palafitas, em áreas de risco que anualmente inundavam com as chuvas. A intervenção removeu a população que vivia em áreas de risco, implantou estrutura de saneamento associado à estrutura viária e reassentou as famílias em residenciais e habitacionais. Ao todo, foram 29 mil famílias impactadas e 2,6 mil reassentadas, em 14 bairros. Além disso, o projeto desenvolveu uma agenda de geração de emprego e renda baseada nas vocações locais e profissionalização das atividades já realizadas, o que promoveu o engajamento da população.

“Ouvir as pessoas, acreditar na potência delas e gerar participação popular é o ponto essencial de qualquer processo que busca resolver os problemas sociais”, afirmou Catarina.

Confira o conteúdo na íntegra.


Oficinas

Diversas oficinas sobre temas diversos, como crédito popular, empreendedorismo e renda, primeira infância e meio ambiente, o processo de urbanização e seus reflexos na geração de resíduos sólidos, metodologias de avaliação e monitoramento de políticas públicas em urbanismo social, as cidades e a população LGBTQIA+, mudanças climáticas e racismo ambiental, sistema B e desenvolvimento econômico para a população de baixa renda, entre outras.
Dentre os temas mencionados, destaca-se a oficina “Empresas do Sistema B e o desenvolvimento econômico para a população de baixa renda”, conduzida por Kátia Mello e Aline Cardoso.
As líderes abordaram o tema das desigualdades sociais e as suas consequências como problemas centrais para as sociedades contemporâneas. Associados à crise climática, esses problemas geram uma emergência social, visto que os mais pobres são sempre os mais afetados. Dessa forma, a oficina teve por objetivo discutir o papel dos governos, empresas e sociedade civil, na busca por uma atuação integrada e multissetorial, em prol do desenvolvimento sustentável.

Oficina “Empresas do Sistema B e o desenvolvimento econômico para população de baixa renda”, liderada por Kátia Mello e Aline Cardoso.
Oficina “Empresas do Sistema B e o desenvolvimento econômico para população de baixa renda”, liderada por Kátia Mello e Aline Cardoso.


DIA 3

Palestra Master 2: “Integração Sócio urbana na Cidade de Buenos Aires”


A palestra master do terceiro dia de encontro contou com Paula Mariano, Subsecretária de Integração Social e Habitat da Cidade Autônoma de Buenos Aires, compartilhando o processo de trabalho de integração sócio urbana que começou a ser desenvolvido em 2016 em Buenos Aires.

“Nosso desafio era implementar uma política social que buscasse resolver a pobreza estrutural e oferecesse oportunidades equitativas para o futuro, eliminando as barreiras impostas pelo lugar de nascimento das pessoas”, afirma Paula.

Confira na íntegra como a política social se refletiu na qualidade de vida das pessoas que residem em bairros populares.


Mesa: Perspectivas para Segurança Pública no Brasil

O terceiro dia de encontro também destacou a necessidade de construção de cidades seguras para todos. Gleide Ângelo, delegada de polícia e deputada estadual de Pernambuco, foi a mediadora da mesa e abriu a discussão. “Se continuarmos acreditando que a solução para os problemas de segurança pública é a repressão e não focarmos nossos esforços na prevenção, não venceremos a violência. A violência já é a consequência e nós precisamos atacar a causa”, pontuou Gleide. 
Com essa abertura, a mesa apresentou projetos que buscam transformar a vida das pessoas e resolver o problema da violência, sem a repressão, por meio de habitação, segurança alimentar, empregabilidade, educação, fomentando o sentimento de pertencimento e dignidade para a população.  
Tamires Sampaio, coordenadora do PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, apresentou à mesa o objetivo dessa iniciativa.

“O PRONASCI tenta trazer a subversão do que é a segurança pública. Historicamente, segurança pública no Brasil é aliada a uma ideia de manutenção da ordem e prevenção de riscos. Porém, a manutenção da ordem social de um país que é estruturalmente desigual, racista e violento contra uma parcela da população, representa a manutenção dessa violência e das desigualdades sociais. A segurança não se constrói só com a força, ela precisa ser construída a partir da garantia de direitos e do combate à desigualdade, ou seja, garantindo moradia digna para a população, educação de qualidade, acesso a espaços de cultura, lazer e convivência, empregabilidade, segurança alimentar, saúde e mobilidade urbana. Essas esferas também são segurança pública”, explicou Tamires.

Assista na íntegra.


DIA 4

Visitas aos territórios

A visita à Ilha de Deus era, sem dúvidas, um dos momentos mais esperados de todo o Encontro de Urbanismo Social. Os visitantes chegaram na Ilha de barco e logo iniciaram as atividades do dia. A comunidade esteve presente para apresentar o projeto de turismo comunitário, que foi construído a partir das contribuições do desenvolvimento do trabalho técnico social desenvolvido pela Diagonal.  
Foi perceptível para os visitantes a sustentabilidade gerada a partir do desenvolvimento do trabalho lá realizado, que considerou as demandas e particularidades da comunidade que ali vivia.  
Um ponto interessante do encontro foi a presença de uma ex-moradora da Ilha, que passou pelo processo de reassentamento e explicou que sua família preferiu viver no conjunto habitacional ao redor e muito próximo da Ilha, para ter melhor condição de assentamento por conta do tamanho de sua família, mas que seguiu vivendo perto de seus familiares, algo que é muito importante nesse processo.  

“No trajeto, pudemos conhecer a cooperativa de sustentabilidade econômica, a rádio comunitária, almoçaram no restaurante de Nalvinha, líder comunitária da Ilha de Deus, assim vendo a perpetuação de um trabalho social integral, que exemplifica o que é Urbanismo Social. Foi muito satisfatório apresentar isso a tantas pessoas interessadas em conhecer esse projeto”, afirma Letícia Canonico, coordenadora da Rede Brasileira de Urbanismo Social e analista projeto social aqui na Diagonal.  

Além da Ilha de Deus, o evento também oferecia as opções de visitas ao Mais Vida nos Morros (Vila Arraes – Várzea e Morro da Conceição), Compaz Governador Eduardo Campos, Comunidade do Pilar e Porto Digital. 

Atividade da ONG Saber Viver, que coordena o turismo comunitário na Ilha de Deus
Atividade da ONG Saber Viver, que coordena o turismo comunitário na Ilha de Deus


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